Para convencer a menina a ir à biblioteca sem ficar contrariada, afinal eram férias e ela queria brincar o tempo todo, o homem prometeu levá-la à Pastelaria Brasileira, que ficava ali em frente. Um dos melhores pastéis do sul do mundo, segundo ele. E nada como um pastel acompanhado de Wimi ou Chocomilk para apaziguar uma pequena alma ainda não caída de paixão pelo balé das letras nas páginas de um bom livro.
Pense num percurso longo. Vinte e cinco minutos de alimentador até o terminal, depois quase quarenta no expresso para chegar ao Centro, fora as esperas. Da Rui Barbosa até a Biblioteca Pública pelo menos a caminhada era curta.
Era entrar pelo saguão e o cheiro de papel velho lhe trazia um sentimento de satisfação e conforto raramente percebido em outras ocasiões da sua vida. A menina apertou sua mão diante da imensidão do pé direito daquele prédio antigo. Circularam por alguns corredores, ele pegou o que procurava, um clássico para reler, ao passo que ela ficou indecisa. Escolheu de vez uns cinco (deve ter um que sirva) e sentaram-se à mesa que ele conhecia tanto. Ela folheava um pouco os exemplares que tinha à mão e parava para observar o homem compenetrado em seu mundo de sonhos — ele disfarçava desinteresse no que acontecia ao redor, projetava seu olhar no livro tentando intrigar a menina sobre a magia que emanava daquelas páginas.
Passados quarenta minutos a fome deve ter apertado e ela cobrou a recompensa prometida. Ele fez um sinal de espera com a mão ociosa. Um sinal de respeito ao que acontecia no livro. Então dirigiu aos olhinhos dela o semblante mais apaixonante que guardava em seu acervo, e foram para o balcão de registro de empréstimos. Dali para os pastéis, para o sol da Rua das Flores e de volta para casa, de barriga apaziguada.
Assim como desenvolver uma fórmula, domar um cavalo, entender o mercado, seduzir uma mulher difícil, trata-se de um processo prazeroso, porém árduo. Neste caso, todos, absolutamente todos colheriam os benefícios.
:: 16.07.2013 ::
2 comentários:
Meu primeiro contato foi com os livros da minha mãe. Alguns tantos sobre a escrivaninha dela eram um convite. Mas a primeira atração foi mesmo pelas lombadas dos da estante. Eu as via de longe, não tinha tamanho para alcançá-las, sempre gostei de desafios.
A vontade de participar surgiu quando minha mãe e minha avó se encontravam e se fechavam num mundo de encantamento compartilhado pela última leitura ou indicação. Eu quis fazer parte desse mundo. Fiz. E não quero mais sair.
Hoje, só não pego livros emprestados das duas, porque eu leio rabiscando.
Que poética e linda chantagem, ah se isso acontecesse com todos, livro seria quase como comida.
BJS
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