quinta-feira, 7 de março de 2013

A escolha e o surto

A Valéria, amiga querida, que tivemos o prazer de conhecer quando éramos mais novo(s) que o guri da história, nos supreendeu com este conto libertador. Nada melhor que compartilhar com vocês.

Marina, uma respeitável senhora, casada com um general da reserva trinta anos mais velho. Trajava sempre vestidos que iam até o joelho e fazia um coque no cabelo assim que levantava da cama. Lembrava todos os dias, enquanto fazia seu coque, do seu primeiro homem, o único antes do general, soltando e emaranhando o seu cabelo na cama: como ela gostava daquilo! Seus pais jamais cogitaram que o namoro prosseguisse: “o rapaz não tem futuro algum com aquela guitarra”. Acabou se transformando num músico de uma banda londrina famosa assim que perderam contato.

Durante aquele mês, estava hospedando o filho de uma grande amiga, Diego, 21 anos, que procurava emprego na capital. Menino lindo, alto, másculo. No auge da sua beleza, o guri era mais interessante ainda por não suspeitar do poder que exercia sobre as damas respeitáveis da sociedade. O vira nascer, quando ela e a amiga ainda eram adolescentes no interior. E assustou-se quando bateu à sua porta aquele homem feito.

O general, por sua vez, passava as tardes jogando xadrez na praça e a tratava como se fosse ela um soldado. Chamava-a de “minha filha” e exigia uma disciplina militar da esposa.

Até que numa tarde, o guri, espichado no sofá, morrendo de tédio, grita para ela:
- Tia, você quer ajuda com a louça?
- Não, obrigada, querido! Isso é tarefa minha.

Depois de minutos:
- E as tarefas do tio, ele tem cumprido?? - Diego, já em pé na cozinha, mordendo uma maçã.
- Mas é claro! - Marina, em tom estupefato com a audácia do menino!

E assim, na lata, com toda naturalidade e calma, Diego devolve na hora:
- Sabe, tia, não parece não... - morde a maçã - você quer transar??

Marina emudece e olha para trás boquiaberta, num movimento lento, mal acreditando no que ouviu, nunca tinha visto tanta petulância na vida. E com o coração acelerado:
- Diego, eu vou falar com sua mãe sobre isso! Você não pode me faltar assim com o respeito.

O guri, acostumado a reconhecer estes "nãos" que significam “vem logo, que tô facinha”, aproxima-se, larga a maçã e cala Marina com um beijo daqueles, que para a gurizada de hoje são muito naturais. Os joelhos da mulher amoleceram com a pegada dele. Transaram. No balcão da cozinha, no sofá e quatro vezes na cama. Só pararam porque o general estava para chegar.

No dia seguinte, Marina levantou da cama e se olhou no espelho. Cortou os longos cabelos castanhos na altura dos ombros e não os escovou, bateu-os pra baixo para deixá-los mais armados. Com o barbeador do general raspou uma área acima da orelha. Vestiu uma calça azul vibrante, que estava sem uso. Um tênis All-Star velho e uma camiseta branca. Olhou-se no espelho, dispensou o sutiã pra ficar mais provocante. E quando estava saindo do quarto, lembrou d gandola do general no armário. Com um vidro de errorex fez uma arte qualquer e foi a pé ao mercado. Na frente da gandola havia escrito “100% ROCK'N'ROLL”, E nas costas, pra quem se virasse para olhar, um “FODA-SE”.

10 comentários:

Patrícia Garbuio disse...

Excelente! A juventude não tem pudor, é audaciosa e a gente adora!

Unknown disse...

É bem a minha amiga Valéria!!!Amei!!!
Rústico, apimentado, e sempre muito sagaz e inteligente!!!Parabéns Val!!

Ana Luiza disse...

Amiga... Não tinha conhecimento desse seu dom!
Vc conseguiu trazer algo "picante" de uma forma tão sem pudor, que torna o conto realmente interessante!
A mistura deu certíssimo!
Te confesso que gostaria de virar a página, como se fosse um livro, e ler mais!
Adorei, de verdade!

Gustavo Martins disse...

Prezada Ana luiza: o bvlog é como um livro, só que ao invés de virar a página, basta clicar. Não confesse. Clique!

Vampira Dea disse...

Adorei

Duda Sobral disse...

Atitude é tudo

Adorei Valéria.

Srª Shadow disse...

Um bom texto! Aquele gostinho de quero mais é inevitável. Falar de forma picante sem expor é divino.

Eduardo disse...

Sempre há tempo para salvar um casamento ..hahah

Cara, vou deixar um texto aí pra ti. É uma postagem antiga do meu blog:

Ele estava na última mesa. Havia uma mulher com ele, mas estava dormindo com a cabeça encostada na parede. Ele encarava a garrafa de vinho como se a mulher não estivesse ali. Pensativo. Parecia um velho decrépito, dos que levam suas vidas nas costas sem saber ao certo o motivo. Secou seu copo e levantou-se para ir ao banheiro. Então o reconheci. Inconfundível expressão cansada, estampando uma inconformidade com o ser humano. Esperei ele voltar e me aproximei.

- Bukowski? – Perguntei

- Sim.

Ele acendeu um cigarro e deu uma tragada tão forte que foi possível ouvir a brasa queimar. Como se fosse um velho amigo, sentei-me na cadeira ao lado derramando inconveniência.

- Como vai Chinaski? – Tentei uma conversa.

Para meu espanto, o velho respondeu.

- Estou pensando em acabar com ele. Vou matá-lo. Ele não merece conviver com tanta mediocridade que só pensa em enrabá-lo. – recitou.

Pedi outra garrafa, que em questão de minutos esvaziara. E assim com a terceira e a quarta. E incrivelmente havíamos nos esquecido da mulher que ali dormia. Ao menos eu havia esquecido. Então reparei bem. Era uma senhora com horríveis verrugas que começavam entre os seios e percorriam um caminho até o queixo. Parecia uma trilha de formigas. Toquei nelas. O velho soltou uma gargalhada rouca.

- Ela está morta. – Falou.

Toquei mais nas verrugas. Ela não se moveu. Bukowski deu uma sacudida nela. Nada.

- Não falei? – Perguntou.

- Falou. - Concordei, tocando na verruga que tinha mais destaque.

Levantou-se resmungando e colocando um braço do cadáver em seu ombro.

- Me ajude.

Fiz o mesmo no outro braço morto e caminhamos em direção à porta.

- Anota pra mim. – Gritou para o Mendez, dono do bar.

Jogamos a mulher no primeiro táxi que apareceu.

- Ela está bêbada – falou Buk para o motorista. – O bar já está fechando e não havia ninguém com ela. Acho que você pode levá-la até o hospital.

Tive que pagar a corrida antecipada. Fiquei observando o carro desaparecer no escuro.

- Ela tinha mais verrugas como aquelas? – Perguntei.

- Assustadoras.

miguel pragier disse...

Bem legal o conto! Ágil, direto, simples e alto astral. Parabéns!

Valéria disse...

Obrigada, pessoal! :) Fico bem feliz que tenham gostado. Tem outro a caminho. Beijos a todos.