segunda-feira, 27 de abril de 2009

Descompressão

Sou homem do povo. Mesmo que meu trabalho exigisse uma reconhecida carga intelectual e a convivência com pessoas lapidadas, eu mantive meus hábitos. Enquanto eles falavam de música erudita e enologia eu pensava em AD/DC e na pinga que aprendi a beber com meu pai. Não que fosse excluído, mas a diferença era gritante.

Fora isso eu vivia a rotina e ganhava até que bem (devido à vida semi-reclusa e aos poucos luxos), mas a pressão era muita. Quantas vezes naquelas reuniões intermináveis eu olhava para uma nesga da janela e via na luz do sol a vida sendo desperdiçada lá fora. Doía profundamente. O trabalho incessante e a saudade de algo desconhecido atormentavam.

Um dia, num final de expediente chuvoso em que todo mundo do setor já tinha ido embora, bati o ponto, sentei na cadeira giratória e tirei as botas, a camisa, a calça, as meias, a cueca e saí da sala. As poucas pessoas no hall da empresa me olharam como assombração. No pátio do estacionamento, nu sob a chuva, percebi meu andar imponente como nunca havia antes. Ninguém me dirigiu palavra, mas senti um movimento a uma certa distância, uma pequena multidão me seguia. Antes que eu passasse pela guarita os guardas da segurança me cercaram. Não ofereci resistência.

Acredita que a firma ficou com medo de me dar justa-causa? Hoje estou em outro setor e trabalho bem menos.

:: 21.01.2009 :: Inspirado em cena de um conto do amigo Ragas

29 comentários:

Índia Jurema Preta, Bicho véio, Filosofo Fabriciano disse...

hahahahaha

Baita sacada para mudar de setor.

Abraço

Anônimo disse...

Me pergunto: e se o frustrado fosse uma mulher?

Anônimo disse...

S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L !!!!
Eu já vivi uma situação exatamente como a que descreveu: "...vivia a rotina, ganhava até que bem... mas a pressão era muita... e via a vida sendo desperdiçada...". A diferença foi apenas o tipo de reação... risos...
Mas, ao ler este conto e imaginar a sensação de liberdade provocada por esta atitude, acho que essa foi bem mais interessante e efetiva que a minha! risos...
Foi realmente uma baita sacada para mudar de setor! [2]
Beijos

Gustavo Martins disse...

victão - não tínhamos pensado nessa ótica...

anônimo - teria gastado o que tinha e o que não tinha nos shopping centers

ou... DEPENDE MUITO que mulher

carol___ - mas, diga, bela... o que vc fez pra jogara vaquinha do penhasco?

Altavolt disse...

Ser autêntico e chutar o pau da barraca às vezes é o melhor negócio! Mas, se tivesse sido premeditado, talvez não desse tão certo! Também fiquei muito curioso para saber qual foi a reação tresloucada da Carol. Seria pedir demais que tivesse sido igual à do personagem, né? Se tivesse sido essa, no caso dela, as consequências talvez tivessem sido melhores ainda: posar na Playboy, por exemplo! rsrs...Beijo pra Carol e abraço pro amigo!

Vampira Dea disse...

Fico pensando...Acho que essa atitude já foi pensada por outras pessoas... A diferença é o x da questão, quem tem coragem?Falo de chutar o pau da barraca mesmo. Na vida temos que ser criativos para mudar e corajosos para aguentar as consequências...Ótimo conto.
Agora essa ação igual a do conto de tirar a roupa vai depender muito de onde vc trabalha, no meu não iria surtir muito efeito não rsrssr.

Anônimo disse...

Viu aqueles ciclistas, em São Paulo, que vão pagar multa porque geraram tumulto no trânsito de Sampa, porque estavam nus?
E nenhuma multinha pro MST, professores, motoboys e qualquer outro que tumultue SP com protesto.
Nudez dá multa! Principalmente sobre um selim de bicicleta.

Como o seu personagem não estava de bike, e pelo visto, nem atrapalhando o trânsito paulista, deduzo que o cara deva ser bom prá caramba!

beijinhos, querido

Meyviu disse...

Puts Gustavão, esse conto me lembrou a cena de um filme francês que não lembro o nome agora, quando vier à cabeça volto por aqui. Apesar de diferir um pouco é, em essência, a mesma coisa.

Luciano disse...

Muito bom Gustavo. Quantas vezes já pensei em cometer um ato desatinado desses e viver a glória do momento. De se lavar a alma.
Abração meu velho.

Ragas disse...

Fala Gustavão! Já fazia um tempo que não entrava nos blogs e quando abro vejo essa bela homenagem... Gostei muito do miniconto e acho que o cara só conseguiu o emprego novo porque não fez isso de maneira planejada...

Já eu, ando fazendo alguns workshops de escrita (encontrei uma pós-graduação, você acredita?) e trabalhando no meu próximo livro e alguns novos contos. Me avisa quando tiver vendendo o seu que eu vou comprar!

Tem conto novo lá no www.palavraporquilo.blogspot.com Entra lá e vira um seguidor!

Abrazzo Ragazzo

Sentimental ♥ disse...

nossa, pq o povo não deixou q continuasse??? tenho certeza q dessa cena nada de mal aconteceria...
bjs

Toninho Moura disse...

Para você ver como um cara pelado é poderoso!

Sweet Toxicant disse...

Hahaha! Às vezes me sinto na pele dele.. mas de forma contrária... sou eu quem tenho os gostos eruditos (leitura, música, etc.) enquanto os outros se ligam em tantas futilidades que eu acabo ficando mais reservada por não encontrar assuntos afins na maioria das vezes.
Eu já chutei o pau da barraca duas vezes na minha vida e estou planejando a terceira vez... mas bem planejado... com cautela... rs
Mas adoraria ter a coragem desse homem! Hahahaha!
Ótimo conto, Gustavo!
Beijocas.

Gustavo Martins disse...

hoje a gente está com o humnor nas alturas por causa dessa palhaçada de gripe suína, então, não nos responsabilizamos muito pela acidez...

alta - não foi essa leitura de premeditação que quisemos passar; talvez isso tenha surgido ppor causa do comentário do victor (um grande e querido salafra)

agora... imaginar a carol andando como o personagem aqui pela empresa.. (bota a boca no mundo, CAROL____ que isto é provocação!!!)

vampiradea - sensacional sua observação!!! ficar pelado no teatro não impressiona mais ninguém mesmo

sra. mirian - vimos essa dos cicliestas; absurdo

agora... o questionamento que vem a nossa saudável cabeça se relaciona à sopinha que deve ficar no banco quando as moçoilas pedalam sem nada pra proteger

meyviu - essa loucura de o cara se despir pra voltar a sua condição primitiva está no nosso DNA; é um lance comum mesmo

o que não conseguimos talvez transmitir é o frisson que isso causaria numa empresa dessas conservadoras (como esta em queganhamos o leitinho das crianças)

luciano - é isso, cara; quase instintivo; quem nunca tomou banho pelado na praia não sabe o que é ser gente/bicho

ragas - que é isso amigão! duro é que procuramos pacas seu conto que inspirou este e não encontramos; se puder colocar o link aí...

sentimental - vai que o cara tinha alguma coisa que tava escandalizando todo mundo e pra ele era normal? tipo... um priapismo

toninho - acreditamos mais no poder das caras peladas

sweet tox - HUMMMM foto nova; desde quando pinga e ac/dc são futilidades? mas adoraríamos estar ali pra ver vc tendo a coragem desse homem...

IMPORTANTE - NA NOSSA LEITURA O PERSONAGEM NÃO PLANEJOU A ASCENÇÃO NA CARREIRA PELO NUDISMO INTEMPESTIVO; ELE PIROU O CABEÇÃO MESMO

Sentimental ♥ disse...

ó, acho q se expressar é direito e ninguém deve impedir, até pq qualquer manifestação mais exaltada só cria reação naquele q perdeu as estribeiras... né?

Alessandro disse...

Sentimento de muitos resumido em um conto infalível.
Banho de chuva é bom mesmo. Torço pra chover quando saio pra correr.
Imagina então depois do trabalho, sem presilha nenhuma.
Agora: a sensação de liberdade não seria melhor sem platéia? Ou melhor, só com uma pessoa que consentisse e aderisse?
Meyviu: o filme não é "O Oitavo Dia"?

Anônimo disse...

Putz! Minha reação não foi nem um pouco tresloucada... ainda mais se comparada com a que teve o personagem do conto!
Fiz tudo com muita calma, cuidado e planejamento... e o resultado foi excelente: falei tudo o que estava engasgado, saí de alma lavada e bem mais leve... me lembro do dia como um dos mais engraçados da minha vida... eu estava tão feliz! Acho que nunca ri tanto!
Não tive a sacada do personagem! rs
Beijos

Sweet Toxicant disse...

Nãooo! Você me entendeu mal...
NUNCA que AC/DC e pinga são futilidades!

As pessoas com as quais eu convivo é que são fúteis e os meus gostos são bastante atípicos para uma "Sweet" lady. Hehehe!

Esta é uma das razões do apelido Sweet Toxicant.

maria disse...

não se trata de um miniconto perverso, mas sim de um miniconto libertário!

sublime.

e não sacaneia a gripe do porquinho não, tá?

Jairo Borges disse...

O q o ser humano não faz para ser visto hein! Ou para expressar seus anseios! custava pedir uma mudança de cargo?

Ragas disse...

Aqui vai... Não tenho mais ele no blog... depois vc copia e cola em outro lugar se quiser...

Abrazzo Ragazzo

Louco Sim, Mas Com Uma Gota de Adoçante!


Edvaldo observou com calma a entrada do homem na sala. O rapaz
era o clássico arquétipo do advogado, elegante terno de grife, gel no cabelo
e ar de superioridade, e olha que aquele estava longe de ser um figurão em
seu escritório, caso fosse, jamais seria escolhido para prosear com um
louco. O advogado sentou-se à sua frente, confortado pela presença de três
volumosos enfermeiros que visavam conter algum possível ataque de
loucura.
- Doutor Edvaldo, agora que passou o prazo de sua internação
judicial, o senhor não gostaria de se submeter ao crivo de um especialista
que possa lhe dar auta?
- Já disse que não. Se o mundo lá fora é são, então me digo louco
com orgulho.
- Veja bem, Dr. Edvaldo, o senhor não é louco, apenas passou por
alguns momentos difíceis. Só isso.
- Momentos libertadores, isso sim. Libertadores, ouviu, meu rapaz?
- Foi apenas uma crise de estresse, nada mais. Todos nós estamos
suscetíveis a isso. O Conselho de Diretores o aceitaria de volta, se somente
o senhor passasse pelo crivo de um especialista que atestasse sua sanidade,
eles...
- Me aceitariam? ME ACEITARIAM?!?!? Aquela empresa é minha,
caro jovem! Não sei se você sabe, mas a construí com minhas próprias
mãos! Além do mais, quem disse que quero voltar pra perto daquele bando
de urubus? Eles é que são loucos, assim com eu fui um dia. Mas não mais.
Não mais.
- E o senhor prefere ficar preso aqui dentro? Solitário?
- Preso? Solitário? Ah, meu inocente rapaz, a verdadeira liberdade
está aqui. - falou apontando o dedo para a cabeça - Graças a minha
sanidade, posso estar aonde quiser e com quem eu quiser, basta-me fechar
os olhos. Por exemplo, agora - disse ele fechando os olhos e encostando a
cabeça na parede - estamos tendo essa conversa à beira-mar. Posso sentir a
brisa espantando o calor do meu rosto, além de observar, também, uma
moça ao lado fustigando-lhe com os olhos. É, meu jovem, tenho certeza
que você adoraria estar dentro da minha cabeça agora. Que bela rapariga...
- abriu os olhos novamente e fitou o advogado com curiosidade, até que
perguntou: Estava boa a caipirinha?
- Caipirinha? Que caipirinha? O senhor, definitivamente, perdeu o
juízo.
- É, pode ser, mas ganhei minha liberdade. Parece-me um preço
justo.
- Desculpe-me pela sinceridade, mas tudo isso é irreal.
- É real para mim. Já é o suficiente. Ah, garoto, se soubesse quanto
tempo desperdiçamos nos adequando às realidades dos outros. Cada um
tem seus próprios valores, e cada valor tem seu grau de loucura. A
honestidade, por exemplo, é um valor social importantíssimo para a
maioria das pessoas, mas quando alguém se prejudica em razão da
honestidade, acabamos taxando-o de louco, nunca de honesto. Um tanto
quanto paradoxal, não concorda?
- Sim, mas...
- Mas nada, meu bom rapaz! É a realidade individual que cria os
valores que determinam o que é loucura para cada um de nós. Para um
surfista, alguém não gostar de praia é loucura. Para um malandro da vida,
trabalhar 12 horas por dia é loucura. Para você, o conselho-diretor e a
maioria das pessoas, eu abandonar tudo que construí é loucura. Pra mim,
loucura seria continuar. O que quero dizer com isso é que taxamos de
loucura aquilo que não entendemos.
O jovem advogado ficou ali parado, fascinado pelas palavras de
alguém que conseguia produzir nele um sentimento que antes daquela
conversa jamais imaginaria ter: Inveja de um louco.
- Rapaz, disseste para mim que sou louco, Mas, agora, eu lhe
pergunto: E quem não é? Sou louco sim, mas minha loucura vem com uma
gota de adoçante, pra me ajudar a digeri-la melhor, sabe? Já a sua, caro
colega, vem acompanhada do amargo gosto da ilusão. Da ilusão de que não
é, assim como todos nós, um pouco louco. Só aqui dentro descobri que a
loucura nada mais é que a sanidade em seu estado mais pleno. Ela é uma
sanidade livre das algemas sociais, que permite a nós, loucos, vivermos no
mundo que escolhemos. Se você pudesse morar em um mundo em
que todos seus desejos e vontades fossem realizados, um mundo aonde sua
felicidade seria sempre plena e absoluta, você abriria mão dele?
Provavelmente não, certo? Então, meu filho, eu achei minha melhor versão
de mundo, e abandoná-la, seria loucura! – finalizou rindo com o trocadilho.
Essa foi a última coisa que Edvaldo falou antes de deixar a pequena
sala acompanhado dos enfermeiros. O jovem advogado havia falhado em
sua missão. O estatuto da empresa impedia que o conselho diretivo
expulsasse do seu quadro de diretores uma pessoa doente ou incapaz, e a
loucura de Edvaldo se enquadrava naquele impedimento. Não demorou
muito para seu telefone tocar após a notícia de seu insucesso ser
comunicada a seus chefes. Os gritos e ameaças disparados pelo homem do
outro lado da linha eram ignorados pelo advogado que mantinha, fixadas na
mente, palavras como ilusão, sanidade, loucura e liberdade. Freou o carro
bruscamente quase causando um acidente na avenida em que trafegava. Ao
sair do automóvel e sentir a brisa em seu rosto, começou a se despir.
Primeiro a gravata, depois a camisa. Sapatos, cinto e calça foram os
próximos, seguidos pela cueca. Assim que a polícia chegou, foi algemado,
preso e levado à delegacia. E lá, nú, solitário, sentado no chão frio de uma
escura cela de delegacia, Pablo sentiu-se tão livre quanto um passarinho.
ENQUANTO ISSO NO MANICÔMIO...
- Dr. Edvaldo, eu não queria me intrometer, mas não entendi o porquê do
senhor querer ficar aqui. – afirmou um enfermeiro.
- Simples, enquanto eu for legalmente louco, eles não podem tirar minha
empresa de mim. Preciso de mais tempo para arrumar uma saída.
- E qual o motivo para falar àquele garoto todas aquelas besteiras, se o
senhor nem louco é?
- Diversão, meu caro. Pura diversão. - finalizou Edvaldo enquanto
recolocava seus óculos e retomava a leitura do estatuto de sua empresa.

Taynar disse...

Tá vendo, as pessoas deviam sair nuas mais vezes...!

Beijos

DIZDIZENDO disse...

sera q e isso q me falta -interrogacao!!
(parenteses alem de configuracao de acentucaono teclado parenteses)

Fátima disse...

Ragas...voce arrasou no conto...

não é à toa que diz o ditado:
"em café de louco não se põe açucar"...

Gustavo Martins disse...

sentimental - vc está certíssima; mas que ver um cara andando por aqui com "o osso" em riste é mais feio que o mapa do inferno... isso é

alessandrão - a dois, aí era o bom e velho e convencional sexo

vamos ver se o meyviu confirma o filme... pq disso de cinema, sabemos que vc entende (e de fazer certas coisas na chuva, provavelmente...)

carol - se vc riu tanto... deve ter sido bom demais

sweet tox - ahhhhhhnnn boooom; odiamos, também, gente fútil

quais são os gostos atípicos?

maria - obrigado pelo elogio; vindo de vc tem mais valor ainda

agora... se alguém quer saber nossa reles opinião sobre a gripe suína, é só entrar no blog da maria e ver o que comentamos lá no post em que ela trata do assunto (não da doença)

jairo, jairo - ele não sabia o que estava fazendo; isso pode acontecer um dia com todos nós

convenhamos que é bem melhor andar pelado pela empresa do que pegar uma carabina e matar metade do povo assim que passam pela catraca

ragas - tá bo demais aqui; obrigado por ter mostrado a fonte!!!!

taynar - VOCÊ É NOSSA CONVIDADA

dizdizendo - é sim!!!! VOCÊ É NOSSA CONVIDADA [2]

fátima - estamos morrendo de ciúme aqui

Sentimental ♥ disse...

ah gustavo, eu não acho... maaaaaaaas, cada um cada um né?
bjs

[o mapa do inferno é feio????]

Gustavo Martins disse...

sentimental - rascunho do mapa do inferno

deve ser feio pracarai...

Sentimental ♥ disse...

é, deve mesmo.

Fernando Ramos disse...

E só andou tranquilo (no que diz respeito a apenas curtir a própria nudez natural) porque não há por lá a estagiária que há aqui. Meu amigo, não daria mudança de setor ou justa-causa, mas cadeia.