quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Quando a lei de trânsito atrapalha

A namoradinha do Zé pediu de natal um curso de autoescola pra tirar carteira de motorista. Convenhamos que é um presente caro. Pra piorar, o pedido lembrou o Zé da maldita lei que agora obriga os aspirantes a motorista a intermináveis aulas práticas de autoescola, e como ela complicou a vida dele.

Antes era moleza. Bastava convidar uma moça bonita para ensinar a dirigir. O Zé descolava um fusquinha e colocava a gata no banco do lado. A aprendiz começava treinando a trocar de marcha enquanto ele estava no volante, ia subindo a mão pela perna, abriam-se alguns botões e quando percebia já estava esparramada no banco inclinado.

Só de raiva, o Zé deu pra namorada um perfume paraguaio.

:: 16.11.2011 :: baseado (ops) numa ideia do Victor Hugo

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

São João da Cristina

Passe alguns dias em São João da Cristina e mude o sentido da palavra férias. Lá tem mais esterco que fruta, mais pinga que água, a pesca é em rio lamacento e as mulheres são peludas. O tio do Zé reservou pra gente o cômodo da casa onde criava codornas. Tirou de lá as gaiolas acho mais que pra evitar que a gente tumultuasse a criação.

Depois de muito ovinho e pinga, acabamos na zona. Na verdade, o único bar da cidade, frequentado até pelas paisanas. Era difícil diferenciar umas das outras, todas maquiadas em excesso. Pegamos a noite da pizza.
- Tem pizza de que sabor?
- De milho, de ervilha e a tropical.
- Do que é essa tropical?
- De milho e ervilha.
- Vê aí uma tropical e mais cerveja.

O violeiro e o sanfoneiro e começaram a tocar na raça, sem microfone. O povo se amontoou pra dançar no chão de terra batida. O barulho dos pés arrastando quase cobria a cantoria. O Zé foi até a mesa das bonitinhas — éramos de fora, estavam todas simpáticas com a gente — e perguntou se estavam comendo pizza de milho porque eram galinhas. Fizeram que não entenderam e toparam dançar. Rapidinho o Zé foi com a Cristina (não a do São João) lá pro fundo onde tinham uns quartinhos só com cortina na porta. Logo depois saiu correndo, eu acompanhei pra não aguentar bronca sozinho. Depois ele explicou:
- A luz tosca do bar disfarçou o que a poeira e o suor fazem nos pezinhos com sandália. Fica aquela gosminha preta entre os dedos. Na luz do quarto, quando vi aquilo, me deu ânsia de vômito. Daí não deu pra transar, muito menos pagar, né?

:: 02.04.2008 ::
da série Contos preferidos das antigas que publicamos de novo porque passaram despercebidos devido à baixa audiência da época

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Problema com sacerdotes e sermões

Quem me conhece sabe que vou à igreja com certa frequência. Respeito o rito católico e o conforto de ser padrão em todo o mundo. Mas não gosto de padres e não me prendo aos limites de uma paróquia. Aliás, não é bem que não gosto, mas não os vejo como pessoas divinas. São como os demais viventes, com defeitos e suscetibilidades.

Por isso acredito que padres deveriam se esforçar mais para não "pecarem", o que me remete às trapalhadas do padre A., do tempo em que eu era morador recente no bairro B., em Curitiba. Uma das primeiras que presenciei foi no dia em que ele, no meio do sermão, disse que algumas famílias presentes ainda não o haviam convidado para almoçar em casa. Claro que vesti a carapuça, eu jamais convidaria.

Ora, nos sermões ele devia se limitar a interpretar os salmos, mas não, o padre A. dava lições de moral, emitia opiniões e preconceitos. Às vezes fazia pior. Numa missa de domingo convidou aqueles que não eram da paróquia (inclusive eu) que fossem ao púlpito rezar o Pai Nosso de mãos dadas. Imaginei que fosse, finalmente, um gesto de solidariedade. Acabada a oração, todos sentados, ele lascou um "Obrigado. É sempre bom lembrar que os fiéis devem frequentar as missas nas próprias paróquias e evitar passear de igreja em igreja".

Então numa segunda-feira durante o jornal da TV local deparei com a imagem noturna da polícia apreendendo um carro que rodava em velocidade na contramão da BR 277, o narrador dizendo que o motorista, um sacerdote, estava embriagado e acompanhado de um menor. Não entregaram o nome, mas me deliciei ao ver que era o padre A. Obviamente a notícia não repercutiu, a Opus-Dei deve ter entrado no circuito. Foi aí que depois de vinte anos o padre A. foi afastado da paróquia do B., mas deixou um rombo de quinze mil reais. Convenhamos que seus hábitos não deviam ser baratos.

:: 16.11.2011  ::

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Agora só bato em louca honesta

Uma brincadeira, um "rascunhão" dela.

Nunca sei a medida quando elas pedem “me bate”. Tenho mão pesada e medo de machucar. Combinação explosiva. E o mais esquisito: nesse dia ela não pediu. Aliás, ELA nunca pediu. Mas gostava de apanhar que eu sei. A gente sabe essas coisas. O corpo dela foi feito para minha mão pesada ressoar. Me senti à vontade. Ela estava curtindo, eu sei que estava. Tanto, que entrou no jogo. Revidava, tentava me afastar. Tão linda!

Dia seguinte, eu ainda em êxtase pedi fotos: “tira com o celular mesmo e me manda”. Meu punho estava roxo e ainda tinha as marcas da boquinha dela pelo corpo. Mordidas de amor que diziam "mais!, mais!", eu sei que diziam. Por isso, não entendi quando a intimação chegou, dias depois, no meu trabalho.


A vida é tão bandida que meu sorriso de satisfação quando pude finalmente ver as fotos grandes, aquelas que não vieram pelo celular, mas pelos autos do processo foi considerado agravante. "Além de covarde, sádico", disseram.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Natimorto

Surgi da incessante gana daquela mulher de sentir piladas fortes no ventre árido e raso. Piladas frouxas que muitas vezes não resvalavam nas paredes, alavanca na carne.

Que dignidade pode brotar dessa selvageria? Enquanto ela andava na planície de chão de areia e imperfeições até rasgar os músculos das pernas e curtir a pele no sol escondendo em trapos o barrigão desidratado, eu sentia minha pele roçar naquela textura glamurosa. Éramos pessoas comuns prontas para fazer maldades extraordinárias, alimentados a vísceras de ratazanas do mato — chamar aquela secura de mato... Uma rotina de regurgitar e comer de novo o vômito.

Pequenos milagres todo dia para sobreviver. Motivados por um ódio redentor. Escapulário de espinhos em que se vê talhada uma história de corrupção que comecei a protagonizar de dentro de uma ignorante. Espere por mim, só mais um pouco, o sétimo rebento, a besta do apocalipse.

:: 03.11.2011 ::