quarta-feira, 29 de julho de 2009

Barata nojenta

Minha mãe tagarelava com as tias e comentou, entre goles de chá, que o pavor que eu tenho de barata é trauma de infância. Retruquei que todas as mulheres têm medo de barata, mas ela continuou, e explicou que quando eu começava a engatinhar me surpreendeu comendo uma barata, a metade na mãozinha e aquela coisa branca escorrendo no canto da boca — o que traumatizou foi o grito que ela deu.

Mãe é especialista em lembrar coisas que a consciência nos abençoa ao apagar.

De noite levanto e vou ao banheiro, faço xixizinho tranquila, olho para baixo e vejo uma daquelas do tamanho de uma bolacha champanhe. Grito inevitável. No desespero arremesso o tubo de desinfetante. A nojenta aparentemente morre, mas devagar começa a mexer a antena, passos trôpegos em meio à poça azul de desinfetante que começa a se formar. Meu pânico aumenta e o dela também, fugir é a salvação de ambas. Calcinha entrepernas, procuro a maçaneta mas a porta está trancada. Grito de novo. A barata corre pra lá e pra cá provavelmente me achando maluca. Tento "desbaratinar" e analiso uma possível rota de fuga ou enfrentar o inevitável: esmagá-la com pé descalço. Então, do nada, um impulso toma conta de mim, pego a barata com as pontas dos dedos, coloco na boca e mastigo. O líquido branco me escorre entre os lábios...

Acordo assustada e vou ao banheiro, mas deixo a porta aberta.

:: 13.06.2003 :: Ilustração do cartunista Bennet (http://www.bennet.com.br/)

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Auto-Ajuda vs Auto-Desajuste

Uma homenagem ao MCP publicada no blog de um amigo, o escritor César Duque, nos fez refletir sobre missão.

Não que a gente seja totalmente do mal, mas o fato é que o Duque é um cara do bem. Ele escreveu o livro Seu último dia, todos os dias com o propósito de difundir uma linha de pensamento em que acredita. É assumidamente uma obra de auto-ajuda, mas essa é bem intencionada. É auto-ajuda mas recomendamos.

Pois acreditem. Quando escrevemos essas barbaridades aqui, temos também um propósito além da diversão (nossa e sua): combater a hipocrisia, divulgar a liberdade de pensamento e ação... Mas de certa forma parece que isso acaba corrompendo um pouco vocês, leitoras e leitores.

O "vs" lá do título não quer incitar a uma contrariedade ou disputa, mas levantar uma reflexão. Ao escrever para vocês, estamos incentivando um processo de desajuste social, moral, sexual, intelectual? É claro que normalmente não nos preocupamos com isso, mas será que a coisa não repercute em suas mentes (por mais privilegiadas que sejam)?

Sexta-feira triste e fria em Curitiba. Se todo mundo parasse para refletir sobre o que acontece em volta, ia faltar prédio pra neguinho pular. Não sei como está o inverno aí na sua terra, mas fica o convite para um desajuste coletivo nas páginas e páginas de contos e comentários do MCP. Aí você nos diz: desajustou?

Ilustra by gustavão

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Equívocos da vida que podem ser facilmente remitidos

Antes de mais nada, vá ao dicionário ou ao "oráculo" e descubra o significado do verbo remitir. Uma dica? "... a remissão dos pecados, a vida eterna..."

1) Eu dei de presente um livro do "Pauno Cuelho"

Tudo bem. Seu amigo nem jogou fora o embrulho. Colou outro durex e deu no primeiro amigo secreto da empresa. A dedicatória? Se ele não era tosco demais, arrancou a página com jeitinho.

COMO ME REDIMIR: nos próximos eventos, aniversários, bodas etc. em que tiver que presentear, não fique na dúvida: clique aqui. Não tem erro. É o presente perfeito, também, praquele cara difícil de agradar, que já tem tudo, tipo seu chefe.

2) Eu enchi a caixa de entrada dos amigos com e-mails do tipo "Foto de uma sereia encontrada na Venezuela - não é montagem não"

COMO ME REDIMIR: faça um spam pra TODOS os seus amigos, de uma coisa que é IMPRESSIONANTE e de verdade: basta copiar no Assunto o título deste post e, no conteúdo, o link que vc encontra no título. Diz que o autor é amigo seu, nós confirmamos se precisar. Seus destinatários não chamarão mais você de "mala-sem-alça" e vão começar a achar que evoluiu intelectualmente.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Genealogia desregrada de um messias chamado Rock

Era uma vez um cara muito bacana, mas meio grosso, bruto, chamado blues. Ele gostava de tudo que é básico na vida: mulher, jogo, bebida, dinheiro, superstição.

Um dia o velho blues conheceu num boteco barato uma vedete chamada country. Não teve jeito. Era mulher, passou o sarrafo e se apaixonou.

Todo mundo pensa que o primeiro filho do casal era um branquelo ítaloamericano, o Elvis. Estão enganados. Antes eles tiveram dois filhos pretinhos e semibastardos chamados Little Richard e Chuck Berry.

Bem, mas o Elvis foi o filho querido e popular. Ele começou a impregnar o mundo com a essência do amor desse casal improvável. Depois vieram os netos, uma família prolífica e cheia de loucos como Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Lynyrd Skynyrd, AC/DC e muitos outros.

Esse amor se chamava rock'n'roll. E quer saber, podem taxar de popular, pagão, demoníaco, alienante, perversor, mas não tem jeito: eu vendi minha alma pro rock’n’roll.

:: 13.07.2005 :: já imaginou as festas de fim de ano e de casamento dessa família? digamos que a de hoje seja um... aniversário; não vá pra cama sem brindar.

domingo, 5 de julho de 2009

Vou dar para o primeiro que encontrar na rua

O pai da Nandinha era um repressor esclarecido (lembra do conceito "despota esclarecido"? é por aí), o pior tipo que existe. E pela impossibilidade de levar uma vida normal como suas colegas, ela soltava o verbo: dizia no colégio, pra quem quisesse ouvir, que no dia em que completasse 18 anos ia sair de casa e dar para o primeiro homem que encontrasse na rua.

A gurizada ficava elétrica e fazia planos de ficar de vigília na porta da casa dela de véspera. Porque Nanda, mesmo com seu jeito destrambelhado, era muito da gostosa.

Ela morava no centro, e no dia do aniversário de 18 anos, na hora em que saía de casa pro Terceirão, às sete da manhã, deu de cara com o Ademir Plá. O plano da Nandinha naufragou.

:: 11.06.09 ::