sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Nem meu cachorro gosta de mim

Ela foi embora e eu fiquei no vazio daquela casa simples com a sensação de que nunca mais sentiria a paz de um colo quente ou de uma conversa cúmplice. A solidão apertou e eu não estava mais na fase de sair por aí galanteando. Apelei para os amigos, mas todos estavam distantes. Caí no erro anunciado de me satisfazer só com ela.

Num dia de desespero assisti o reclame de uma ONG que defende a adoção de cãezinhos abandonados. Chorei e decidi. Na manhã seguinte rodei pela cidade e encontrei um filhote que parecia a minha cara. O pessoal do abrigo me deu a maior força e algumas instruções. Como ele não tinha nome, batizei Odorico, homenagem a Dias Gomes.

Passei numa pet e comprei ração, brinquedos, uma caminha, chegamos em casa e percebi que o Odorico se adaptou com grande facilidade. À casa. O tempo passava e o viralata demonstrava grande afinidade com o ambiente, com as raríssimas visitas, com os vizinhos que passavam na rua, mas comigo era pura apatia. Justo eu, o provedor.

A veterinária — em quem Odorico se esfregava mesmo depois de lhe aplicar vacinas doloridas  disse que era impressão minha: "alguns cães têm espírito independente". Ora, se eu entrava num cômodo da casa, ele saía; mesmo ao tentar algum carinho, o animal se mantinha indiferente; e raramente me deixava levá-lo passear com a coleira. Até feromônios eu tentei, mas o máximo que consegui foi flagrá-lo encoxando a almofada da sala em que eu descansava. Tive que jogar fora o hormônio e a almofada.

Resolvi agir igual e nos tornamos dois estranhos solitários sob o mesmo teto. Eu com meu blues e ele com sua chorosa ladainha canina. Um dia peguei o danado abanando o rabo como helicóptero quando uma vizinha gostosa passou com uma cadela de raça e os dois (a cadelinha e o Odorico) roçaram focinhos através do portão. Quando me aproximei a vizinha puxou forte a coleira e se afastou.

Diante dessa possível luz no fim do túnel, usei de todo meu entusiasmo e investi naquilo que sempre fiz melhor na minha vida. Coloquei uma cerquinha de alambrado isolando o jardim e o portão.

:: 21.10.2011 ::

13 comentários:

Gustavo Martins disse...

Será que desta vez o anônimo vai achar que a história foi comigo?

Alessandra Pilar disse...

Não ter afinidade nem com o próprio cãozinho? E ainda por cima continuar solitário pq seu cão não gosta de você? Achei triste isso.
Mas de certa forma mostra que não podemos esperar que nossa felicidade chegue através dos outros, mesmo que esse outro seja um cão.
;)
bjos

Flavinha Mel disse...

Triste demais! Mas fato que o problema era com ele e não com a namorada ou com o caõzinho...

Sisa disse...

Minha amiga me mandou este link porque lembrou de mim. Parece que era vc falando da minha gata, hahaha. A única vez que a safada me deixou chegar perto dela foi o dia que eu a resgatei da rua, enfiei no carro e levei pra casa. Já entrou na casa como se dona fosse, tentou botar a outra gata pra fora (que não aceitou e mostrou quem que manda ali, rs) e rapidinho estava ambientada. Ela dorme com minha mãe, convive bem com meu irmão e minha prima, mas não pode me ver que sai correndo. Às vezes eu nem chego perto dela, só de entrar no mesmo ambiente ela sai correndo como se estivesse prestes a virar churrasquinho. Quando eu não estou, ela dorme na minha cama. Quando eu chego, sai correndo, mesmo que eu nem tente me aproximar! E eu que sustento a safada hahaha. Te entendo e te abraço, rs...

Bj

Não sou anônima, sou a gata da sua vida que você chama de cachorra disse...

não é você no conto porque:

1) você não se contenta só com uma;

2) você nunca vai sair da fase do galanteio;

3) o que você faz de melhor não é atrapalhar foda dos outros; ou é? rs

etc...

Anônimo disse...

Fico pensando se a melhor coisa que você faz da vida é roçar a vizinha no portão.

Anônimo disse...

Será que ele tem PAU, para roçar em alguém???

Gustavo Martins disse...

Alessandra - nos lembrou coisa importante com o comentário

Flavinha, sempre escondidinha - o que que esse cara tem?

Sisa - é, mas gato é mais arredio que cachorro, certo? de qualquer modo, tem muito a ver com nosso personagem

Não sou ... - "empatafoda is my middle name"

Anônimo - em momento algum o narrador falou de emasculação, dele ou do Odorico, certo?

Gustavo Martins disse...

Em tempo: recorde de audiência ontem, como não tínhamos há muito tempo, e para um continho que não falava do Zé, não era engraçado, não era dos mais curtos (nem noveleta) e não falava de sacanagem.

Vamos refletir sobre...

Vampira Dea disse...

Menino, tá parecendo que saiu do livro Cadeira de Balanço de Carlos Drumond
Pois em alguns casos a esperança finge que morre mas só está em coma rsrsr depois de um tempo vai despertar rsrsrr
Falando em cachorro na almofada isso é bem comum, agora eu tenho um gato tarado por mim alguém já viu disso?

AbelardA Barbosa disse...

Ele comprou o cachorrinho não por solidão, compaixão ou bondade; foi para conquistar a vizinha. A prova: o alambrado.

Sobre a audiência: todo mundo já foi abandonado / ignorado por um cachorro (a).

Gustavo Martins disse...

Vamdea - Comparar-nos a Drummond, que elogio! Gato tarado, é? Meau!

AmelardA - Como diz aquele cachorrinho da propaganda do Jetta: AU-AU

Junior Gros disse...

Creio que o narrador e o Odorico tinham tanto em comum que isso os deixava distantes um do outro, mesmo que habitando a mesma casa.